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Punk’s not dead, I know: The Exploited se despede do público paranaense com apresentação enérgica

Acompanhados de nomes de peso do punk nacional e internacional, os veteranos do punk mostraram uma energia incomparável em sua última apresentação em Curitiba

Texto e fotos por Daniel Agapito (@dhpito) | Fotos adicionais por Clovis Roman (@acessomusic)

Formados lá atrás, em 1979, na cidade de Edimburgo, capital escocesa, por muito tempo, o The Exploited foi uma das grandes referências do punk, apesar de diversas polêmicas com o vocalista, Wattie Buchan, abrangendo desde uma tatuagem de suástica em seu braço à supostas acusações de morte vindo de ninguém mais, ninguém menos que Billie Joe Armstrong. Mesmo com tudo isso, tudo que é bom tem que chegar ao fim, inclusive Wattie e companhia. Aos 68 anos, sendo boa partes desses como usuário de drogas, ajudando a definir parte da “porra-louquisse” do punk como um todo, não era difícil imaginar que seu tempo na estrada chegaria ao fim em um futuro próximo, mas mesmo assim, não é fácil ver uma banda tão icônica pendurar as chuteiras, especialmente do jeito que aconteceu, com a saúde de Buchan comprometida durante a turnê.

Sua oitava (e presumidamente última) passagem por terras tupiniquins contaria com 4 apresentações pelo país, acompanhados também dos paulistas da Escalpo, os londrinos do The Chisel e o para lá de lendário Ratos de Porão (originalmente, os americanos do Fang viriam junto, mas tiveram que subitamente cancelar suas apresentações por conta das queimadas na Califórnia), marcando presença em Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, fechando a gira com chave de ouro em São Paulo, mas nem tudo foram flores. O vocalista parecia estar até bem quando subiu no palco em Curitiba, mas no dia seguinte, passou mal e não pode acompanhar os outros integrantes em MG, se ausentando do show. Na capital fluminense, ele estava lá, porém, vomitou sangue logo na terceira música – claramente não estava bem. Em SP, como headliners do Upfront Festival, Wattie novamente não conseguiu estar no palco, contando com João Gordo e Callum (The Chisel) dando uma força adicional na voz em ambas as datas.

Para começar a noite, os veteranos da Your Fall mostraram a força da cena local, trazendo um som reto e direto, sem frescura, fazendo jus ao seu status como um dos grandes nomes do hardcore paranaense, tendo em seu currículo uma turnê europeia e shows ao lado de nomes como Madball, Sick of it All, Terror e Ignite, antes de entrar em um hiato de 10 anos. Seu repertório equilibrou bem os hits nostálgicos presentes em seus primeiros lançamentos, como seu álbum autointitulado de 2007 e The Start of the Ending (2012), além das faixas lançadas nesta nova fase da banda, valendo destacar The End, single que marcou a volta do grupo. Seu som podia não ser tão puxado para o punk quanto o resto das atrações, mas independente, trouxeram bastante energia e peso para os poucos que chegaram cedo naquela noite. Considerando que foram convocados para fazer o show com pouquíssima antecedência, entregaram uma performance e tanto!

Diretamente das profundezas do underground de Rio Claro, interior de São Paulo, veio a Escalpo, quinteto que apresenta um som metal punk para lá de agressivo e abrasivo, sem rabo preso algum em relação à sua mensagem política nas músicas. Quem já teve o prazer de ver a banda em apresentações anteriores sabe bem o que esperar, uma aula de brutalidade, uma porradaria que começa e não para. Lançado no final de 2023, seu álbum .I. (Unnus) foi contemplado quase na íntegra, com a exceção da própria Unnus e A Queda do Céu, que desta vez ficaram de fora. Vale ressaltar que Neri Orleone, vocalista, soltou algumas pérolas durante seu tempo no palco, como “nós somos a Escalpo, não sei de onde a gente é, mas a gente é a Escalpo” logo após executar Desconstrução / Destruição e um breve discurso sobre as mazelas do colonialismo antes de seguir com A Dor do Açoite. Com a casa já significativamente mais cheia, haviam aquecido bem o público para a aula de punk inglês que viria a seguir.

“Os meninos do The Chisel vieram à sua porta dizer oi, as coisas não acabarão bem se nós fomos frente a frente, bata forte, bata rápido, pela porta, ficou por isso.” Surgindo diretamente do fog londrino, chegando ao Brasil pela primeira vez, os líderes da nova onda do Oi! de acordo com a revista americana Maximum RockNRoll, Chubby Charles (guitarra), Luke Younger (guitarra), Lee Munday (bateria), Jean de L’Arbalete (bateria) e o incrivelmente carismático irmão perdido do Corey Taylor, Callum Graham (vocal) chegaram pela primeira vez aos palcos do Paraná com um pique realmente diferente de qualquer coisa que havia sido apresentada naquela noite. Logo após ter feito sua estreia em terras tupiniquins em São Paulo, no dia anterior, tendo tocado ao lado do Escalpo e do Arize na La Iglesia. No Gimmicks mostrou que não estavam lá para brincar, mas sim para bater com os dois pés na porta. As interações eram sempre breves, deram um boa noite rápido e seguiram direto para Come See Me e Sit and Say Nothing, uma atrás da outra. A produção já havia reservado pouco tempo para os britânicos, que acabaram atrasando 10 minutos, então fizeram o show na correria.

Retaliation (2023) e What a Fucking Nightmare (2024) foram contemplados de maneira igualitária, com 4 músicas de cada lançamento figurando no setlist, além de Chisel Boys e Class Oppression, ambas de seu primeiro lançamento, Deconstructive Surgery (2020). O vigor de cada um dos membros no palco era algo realmente impressionante, era óbvio que tocavam com sangue nos olhos, querendo verdadeiramente se tornar um dos maiores nomes da cena punk. Cada palhetada e cada baquetada era carregadas de intenção e uma raiva, um espírito rebelde real. As faixas tinham todas por volta de 2 minutos, então o show era para lá de dinâmico, se você piscasse, corria um risco seríssimo de perder algum acontecimento no palco. Após Evil by Evil, quando tudo parecia que finalmente iria esquentar, um membro da equipe de produção veio ao palco para avisar que só poderia tocar mais 3 músicas, e a murchada de Callum foi perceptível, mas apesar dos pesares, seguiram com a cabeça erguida e terminaram na mesma energia que começaram com as já citadas Class Oppression, Retaliation e Chisel Boys. Se não tivessem atrasado, ainda haveriam tocado Fuck ‘Em, Bloodsucker, So Do I e Tomorrow, mas infelizmente, não rolou. Isto já deixa as portas abertas para um futuro retorno do grupo, que merecia ter tocado muito mais de 20 minutos.

Se tem uma banda nacional que não precisa de introdução nenhuma é certamente o Ratos de Porão. Se você se considera fã de metal, punk, hardcore, rock, o que seja, e ainda não viu um show do Ratos, com todo respeito, o que você está fazendo? Na ativa desde os primórdios do movimento no Brasil, João Gordo e companhia limitada tinham que ser estudados por alguma instituição de pesquisa, porque com o tanto de coisa que eles já passaram – e até mais impressionantemente, o tanto de coisa que já passou por eles – estarem vivos é lucro, quem dirá entregar performances enérgicas com a consistência que eles entregam. Como já era de se esperar, enfileiraram um hit atrás do outro, daquele jeito que só uma banda com quase 45 anos de estrada consegue. Tem algumas horas que parece que nem o próprio Gordo sabe o que tá cantando, mas mesmo assim, clássicos como Anarkophobia e Amazônia Nunca Mais, que fizeram parte do bloco inicial do show, tem aquele mesmo “que” especial das versões gravadas. Era óbvio que não estavam 100% no Tork, tendo acabado de voltar de turnê extensa pelo México, fazendo 8 shows em 10 dias, um ritmo desumano.

Independente, aquele clima de festa que já vem de praxe nos shows do RDP reinou, seja com os pulos impressionantes do Jão, a precisão assustadora do Boka na bateria, sempre acompanhado de uma cara de poucos amigos, a presença elétrica de Juninho nos graves, que desta vez aparentava estar bastante cansado, e claro, a voz icônica do frontman. Passando por faixas do Crucificados Pelo Sistema, Brasil e Carniceria Tropical, logo após Exército de Zumbis, o vocalista lembrou os fãs que é gente como a gente, dizendo que “qualquer dia desses essa música vai me matar, vou ficar que nem o Tim Maia”. Honrando o síndico mais um pouco, Gordo começou: “vou pedir pra você voltar, vou pedir pra você ficar, vou pedir pra você”, arrancando alguns risos do público. O sucesso do Brutal Brega não é à toa! A segunda metade da apresentação contou com aquelas que não podem faltar, Crucificados, Beber Até Morrer, AIDS, Pop, Repressão – as que se não rolarem, vai gente para a rua protestar. Faça chuva ou faça sol, eles vão entregar um show animal, uma aula do mais puro crossover, sem dúvidas a melhor banda nacional para estar acompanhando os escoceses, que aliás, são amigos de longa data.

O relógio dava sua décima-primeira badalada naquela quarta-feira e os ícones do punk eram recebidos calorosamente pelo público da “cidade sorriso”. O Exploited realmente representa bem o espírito punk, palco simples, só os instrumentos e os integrantes, chegaram sem pompas nem circunstâncias, mal deram boa noite e já partiram para a primeira pedrada, Let’s Start a War (Said Maggie One Day). Margaret Thatcher já “foi de arrasta para cima” há mais de uma década, mas naquele momento, parecia que o objetivo do público era achar a ex-primeira-ministra do Reino Unido e ter certeza de que ela iria “deitar sem sono”. A roda já dominava a pista toda, ficando mais rápida a cada segundo, enquanto os fãs, alucinados, cantavam cada palavra junto de Wattie, fazendo valer cada segundo daquilo que foi divulgado como a última apresentação das lendas pela área. Ao longo de sua longeva carreira, não se limitaram apenas a um som mais punk, colocando um pé firmemente na cena do crossover, evidenciado com faixas como a pesadíssima Fight Back, que ao vivo dá a mesma sensação de ser atropelado por um trem da CPTM.

Dogs of War abriu as portas para The Massacre, faixa-título do álbum de 1990, naquela noite, dedicada ao povo da Palestina. Aqui entra aquele debate cansativo sobre o rock e a política, mas esperar que uma banda de punk cujo nome é “Os Explorados” não espalhe sua ideologia é a mesma coisa do que ir a um show do Motley Crue e esperar que não falem de mulher e bebida. O primeiro momento de cantoria coletiva significativa veio com a clássica Alternative, onde os fãs não sabiam se seguiam se batendo na roda ou se tentavam acompanhar os gritos de Buchan, que mesmo estando relativamente bem, assim como boa parte das figuras mais velhas do punk, parecia que ia enfartar a qualquer momento. Esse foi justamente um dos fatores que tornou o show tão incrível, nada lá parecia ser possível – como você explica para alguém fora da cena que em uma quarta-feira à noite mais de mil pessoas se reuniram para ver um homem de 68 anos com um moicano vermelho dar uns gritos sobre os desafios do cotidiano britânico? Por incrível que pareça, o público era bastante diverso, haviam sim, diversos velhos punks marcando presença, mas isso não quer dizer que as “categorias de base” não estavam representadas em peso.

A farra continuou com clássicos como I Believe in Anarchy, Don’t Forget the Chaos e Beat the Bastards. Tirando o vocalista, o Exploited tem contado com uma vasta gama de integrantes compondo a “banda de apoio”, e esta formação (diferente da que veio ao Brasil em 2022) mostrou estar completamente entrosada, respeitando o legado da banda e garantindo que iriam fechar a carreira com chave de ouro. O “novato” da vez era o baterista G-Man, que além de assumir as baquetas do Cro-Mags, já tocou com ninguém mais, ninguém menos que Cyndi Lauper. Curitiba acabou virando um polo de camisetas pretas naquela semana, pois os artêmio-americanos do System of a Down haviam carimbado seus passaportes e feito uma apresentação memorável no Couto Pereira um dia antes. O show não era deles, mas o sistema não saiu ileso de qualquer jeito, com Fuck the System sendo um dos pontos altos da noite. O primeiro bloco do show acabou ao som de Porno Slut, Army Life e a pouco sugestiva Fuck the USA, antes do grupo se despedir e se retirar do palco, mas todos sabiam que iriam voltar para o bis, já que seu maior hit ainda não havia aparecido.

Chamando o público para o palco, voltaram com Sex & Violence, e parecia que havia mais gente com eles do que na pista, havia virado uma várzea mesmo. A sensação de festa era inegável, mesmo com a consideração passando longe de alguns fãs, que acharam que o meio da música seria um momento perfeito para puxar os músicos de canto e tirar fotos – aí perguntam porque tomam porrada no mosh. Já havia passado mais ou menos uma hora desde o início e algumas dúvidas pairavam pelo ar, “como vou voltar a essa hora”, “como que o Wattie ainda está de pé”, e claro “será que o punk está morto”? Esta última seria respondida de forma sucinta e objetiva, Punk’s Not Dead. Se o show absurdo que estava rolando não fosse o suficiente, Buchan repete a frase “punk’s not dead” simplesmente 20 vezes na música do mesmo nome, então creio eu que o punk não esteja morto, mas é só uma suposição.

Infelizmente, este último giro do Exploited pelo nosso país irá ficar marcado pelos diversos males súbitos do vocalista, mas naquele primeiro show, na capital paranaense, não houve o que dizer, fizeram um show de qualidade indiscutível, talvez o último completo de Wattie na América do Sul. Agora, parece que realmente, quem viu, viu, quem não viu, não vê mais. Só resta agradecer à banda por todas suas contribuições ao estilo e desejar melhoras ao vocalista, que convenhamos, fez seu anjo da guarda fazer hora extra em todos esses anos nos palcos. Faz sentido eles serem considerados referência no estilo, não há dúvida alguma de que o punk está mais do que vivo, só basta procurar.

Your Fall – setlist:

We’re Not in This World

Your Last Step

Cold and Grey

Hard Times (cover)

Nightmare

The End

Survive

My Sanity

Watch Out

One More Chance

Overcoming Peace

Passion

Escalpo – setlist:

Onda de Estupidez

Olhando pro Chão

Eviscerando o Opressor

Escravidão Auto Imposta

Desconstrução / Destruição

A Dor do Açoite

Retrocedendo

Desumanização

The Chisel – setlist:

No Gimmicks

Come See Me

Sit and Say Nothing

Nice to Meet You

Unlawful Execution

Cry Your Eyes Out

Evil by Evil

Class Oppression

Retaliation

Chisel Boys

Ratos de Porão – setlist (incompleto):

Ódio

Anarkophobia

Amazônia Nunca Mais

Sofrer

SOS País Falido

Morrer

Crocodila

Exército de Zumbis

Alerta Antifascista

Crucificados pelo Sistema

Não Me Importo

Caos

Conflito Violento

Beber Até Morrer

AIDS, Pop, Repressão

Crianças sem Futuro

The Exploited – setlist:

Let’s Start a War (Said Maggie One Day)

Fight Back

Dogs of War

The Massacre

UK 82

Chaos is My Life

Alternative

Noize Annoys

Troops of Tomorrow

Never Sell Out

I Believe in Anarchy

Don’t Forget the Chaos

Drug Squad Man

Rival Leaders

Beat the Bastards

Cop Cars

Fuck the System

Porno Slut

Army Life

Fuck the USA

Bis

Sex and Violence

Punks Not Dead

Was It Me

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