Prepare o capacete, porque lá vem pedrada: Helmet celebra 30 anos de Betty em São Paulo
Tocando o icônico álbum na íntegra e trazendo mais uma leva de hits, fizeram jus ao seu status como uma lenda cult
Fotos: André Simões em cobertura para o Sonoridade Underground
“Sua contribuição passou despercebida/associada com uma imagem”. Estes primeiros dois versos de Unsung, faixa que dentre outras conquistas, integrou a trilha sonora de GTA: San Andreas, infelizmente acertaram exatamente o que iria acontecer com a banda que os escreveram.
Chamados por alguns de “mauricinhos do metal”, por outros de “novo nirvana”, o Helmet é uma das poucas bandas que se enquadram verdadeiramente no termo “metal alternativo”. Apresentando uma sonoridade realmente diferente de todo o resto da cena da época, ganharam destaque por aqui com diversos clipes na MTV Brasil e edições nacionais de seus primeiros lançamentos. Page Hamilton e companhia já haviam aparecido em terras tupiniquins anteriormente, vindo para cá 4 vezes, pela primeira vez em 1994, fazendo, inclusive, um show icônico em Florianópolis, 2008, passando por São Paulo e pelo Goiânia Noise, depois 3 anos depois, marcando presença no Porão do Rock, voltando só em 2022, para o Oxigênio Festival.
Os fãs não teriam que esperar tanto para ver os nova-iorquinos uma quinta vez, pois trariam a turnê de 30 anos de Betty para nossos lados, prometendo não só o álbum na íntegra, como também outros hits.
Os serviços daquela quarta-feira, véspera de feriado, começariam cedo, com as portas marcadas para abrir às 18:00, com a primeira banda, os paulistanos da Treva subindo quase 2 horas depois, pontualmente às 19:50, trazendo uma música inesperada, Meu Sofrer, de Gastão Formenti, um dos pioneiros do sertanejo romântico. Começando com Novo Amanhã, uma das faixas que abre seu álbum de estreia, Em Própria Razão (2023), esquentaram o público paulistano, que não era numeroso, por ainda se tratar do início do evento, com o vocalista até pedindo para todos darem alguns passos para a frente, realçando o clima inerentemente intimista da apresentação.
Seu repertório foi até curto, enfileirando 7 músicas em pouco mais de uma hora, valendo destacar Recomeço, faixa nova, tocada em primeira mão para os frequentadores do Carioca e Renasce em Dor, dedicada “àqueles que trabalham pra caralho, visam um futuro melhor para a família, e mais importante, olham pra frente”, dedicando-a especificamente para Rafael, amigo da banda que não conseguiu ir ao show por conta de uma grande perda.
Desceram do palco ao som de People Get Up and Drive Your Funky Soul, do James Brown pelo PA, marcando o final de um show que apesar de curto, serviu como ótimo aquecimento para a noite que estava por vir.
Integrando o cast de bandas da própria Vênus Concerts, tivemos direito também a um show do Debrix, banda de São José dos Campos na ativa desde 2023 que acompanhou os headliners da noite pela América latina toda.
Além do Helmet, já haviam dividido palcos com grandes nomes do rock, dentre eles, Sepultura, Pitty e até o The Calling, figurando também em apresentações do ShamAngra em sua cidade natal e na turnê dos curitibanos da Bad Bebop.
Começaram a noite até um pouco antes de seu horário, marcado para às 19:50, escolhendo a enérgica Stray para abrir os serviços. Na sequência, veio Push It!, seu primeiro lançamento, trazendo uma bela dose de peso e energia para a casa. Boa parte das músicas ainda não foram lançadas nas plataformas, podemos presumir que virão em algum trabalho futuro, pois de seu EP de estreia, Tales from the Rabbit Hole, foram contempladas apenas Thunderstorm, Perigo! e Bullseye. De resto, rolaram também Brisa de Espelho, Picture Pose, Turn the Page, Born the Beast e Nada Pra Falar, todas de qualidade perceptível, já foram estabelecidas altas expectativas para seu primeiro álbum…
O Helmet subiu pontualmente às 22:00, sem frescura, sem massagem, palco simples, apenas os integrantes e os instrumentos, com o único recurso visual sendo o logotipo da banda projetado no telão, também bastante simples, um retângulo vermelho com o nome deles em caixa-alta.
Sem uma palavra, iniciaram da mesma forma que é iniciado Betty, Wilma’s Rainbow, e o Carioca Club parecia que ia desabar. Era gente pulando, fãs cantando a plenos pulmões, a nostalgia havia tomado conta do bairro de Pinheiros. O som em si dispensa comentários, era uma perfeição que realmente fazia você se perguntar se o show havia de fato começado ou se estavam apenas tocando as gravações pelo sistema de PA. I Know reforçou este mesmo sentimento, tanto o caráter direto da performance, quanto a autenticidade comparado ao CD: Hamilton e companhia não conversavam, não interagiam com o público, mal se olhavam, na verdade – era uma música atrás da outra, sem dó.
Mantendo a energia lá no alto, seguiram com a pesada Biscuits for Smut, realmente impactante no cenário ao vivo, com os riffs, executados pelos entrosados Hamilton e Dan Beeman, que já integra o grupo desde 2008.
Mesmo a formação sendo relativamente “nova”, com Hamilton sendo o único integrante que gravou o álbum original, a química entre eles era perceptível, era como se cada membro completasse um ao outro de maneira perfeita.
Depois, trouxeram mais uma sequência absurda, simplesmente Milquetoast e Tic, uma de suas maiores músicas logo antes de um hino de altíssimo astral. Esperadamente, com os primeiros acordes de Milquetoast, um mar de celulares subiu para registrar o momento – era como se as mais ou menos mil pessoas que tiveram o privilégio de estar lá naquela véspera de feriado fossem transportadas instantâneamente para a época áurea dos anos 90.
Na seguinte, Tic, o público realmente aproveitou, a roda punk – que até então não passava muito de uma ideia – acabava de se transformar em um furacão humano, e o palco em si parecia mais um aeroporto com a quantidade de stagedives que começavam a rolar.
Vale destacar que o baixo sempre foi um ponto forte do Helmet, mas ao vivo se tornava muito mais, um verdadeiro monólito sônico, uma parede sonora, a força do timbre de Dave Case (também membro da banda de death metal Afterbirth, que vale conferir) era algo diferenciado; era possível sentir cada batida nas cordas no peito, verdadeiramente impactante.
Conhecendo o espírito zueiro do público nacional, sua camiseta também gerou alguns comentários, exibindo a arte de capa do icônico Beneath the Remains, porém ao invés de Sepultura estampar o lado esquerdo, lia-se “Seinfeld”, título da clássica sitcom estadunidense. Fechando o lado A, Rollo e Street Crab, ambas faixas que ficaram um bom tempo fora do repertório da banda, apesar de hoje em dia serem reconhecidas como “joias perdidas” de sua discografia.
Ainda sem falar uma palavra, nem entre si, nem entre os fãs, Clean, Vaccination e Beautiful Love, que se destaca por ser uma versão adaptada de um clássico do jazz em versão “metalizada”, porém ser perder a nuance da composição original, pois Hamilton, como revelou em entrevista à Roadie Crew, sempre teve o gênero em seu “leque” musical: “O jazz é grande parte da minha vida desde que sou criança, meus pais escutavam George Shearing, Dixieland Jazz Band, (a influência) sempre esteve lá […] o jazz tem sua digital estampada no Helmet.”
As faixas teoricamente eram menos conhecidas, mas a êxtase do público seguia igual, não paravam de se mexer um segundo, era perceptível que todos que estavam lá naquela noite tinham uma conexão realmente profunda com as músicas, eram fãs verdadeiros. Alguns haviam derrubado um dos pedestais do vocalista, outros se ajoelharam perante a ele, enlouquecendo os roadies, seguranças e membros da equipe de produção que estavam estacionados no palco – não era como um show de hardcore, onde as pessoas sobem e pulam, sem frescura, mas desta vez, muitos ficavam perambulando pelo palco, chegando a receber vaias daqueles que permaneciam na pista.
The Silver Hawaiian, Overrated e Sam Hell (que realmente perdeu um pouco de seu charme por estar em versão ‘plugada’, conforme apontaram outros jornalistas) fecharam o bloco do álbum aniversariante, trazendo consigo as primeiras palavras da noite: “este foi o Betty na íntegra, valeu! Agradecemos pelo espaço” – tão caloroso quanto um inverno no Alasca – “façam barulho aí para as bandas que tocaram antes de nós!”
O bloco seguinte trouxe alguns hits do resto da carreira do grupo, mesclando os clássicos primeiros 3 álbuns com os lançamentos mais modernos deles, que não tiveram tanta expressão aqui por nossos cantos. Swallowing Everything, que iniciou esta segunda parte, contou com uma reação relativamente morna, nada a ver com Blacktop e Bad Mood, ambas do primeiro álbum, Strap it On (1990) – interrompidas por Blacktop, faixa enérgica da sequência do disco celebrado, Aftertaste (1997) – que levou o público ao delírio.
“Essas foram do Strap it On, de 1990, vocês nem eram nascidos na época. Lançamos um álbum no ano passado, na verdade, nem lembro de foi no ano passado, 2023, chamado Left. Ele aborda bastante a situação política dos Estados Unidos”.
Por conta de algumas falhas no equipamento, ficaram algum tempo “ao léu”, sem conseguir dar sequência ao show, o que fez Hamilton soltar um: “estou no processo de conseguir minha cidadania brasileira”, mas foi algo tão rápido e falado de maneira tão natural que boa parte da casa nem percebeu.
Dislocated, do novo álbum, provavelmente foi a menos conhecida do repertório, mas logo depois, chegou um momento de catarse, simplesmente Unsung, a faixa que fez o Helmet virar o fenômeno mundial que virou. A energia no Carioca Club àquela altura era algo indescritível, não consigo fazer jus à sensação de estar lá apenas com palavras, quem viveu o momento viveu. Unsung era mais que uma simples música, foram quatro minutos de pura euforia coletiva.
Com um grande solo improvisado do frontman, Turned Out teoricamente foi a última da noite, a banda toda chegou a descer do palco, mas enquanto sociedade, chegamos a um ponto que não confiamos em final de show até as luzes da casa se acenderem, e foi exatamente isso que aconteceu, recebidos novamente por gritos de “olê, olê olê olê, Hel-met, Hel-met”, novamente assumiram a frente da casa, chutando toda e qualquer expectativa do público com Give It, que não estava incluída no setlist escrito que estava colado no palco. Esta inclusão muito provavelmente se deu pelas reações claramente mais interessadas do povo nas músicas mais antigas, dada que Gun Fluf, faixa do álbum mais recente, foi planejada, mas removida de última hora.
Ainda destacando Meantime, executaram Ironhead, que carrega consigo um peso absurdo, traduzido perfeitamente no contexto ao vivo, seguida da divertida Just Another Victim, colaboração com o House of Pain, que apesar de faltar o característico “plin’ no final do riff inicial, foi certamente uma das músicas mais marcantes da noite. Para realmente dispensar os fãs com um sorriso no outro, não podia ser outra, In the Meantime trouxe uma última dose de nostalgia para um público que não demonstrava sinal algum de cansaço.
“Helment” (realmente), entregaram uma verdadeira aula naquela quarta-feira. Em pouco mais de uma hora e meia de apresentação, trouxeram um de seus álbuns mais importantes na íntegra, coisa que não se vê toda hora, mas não deixaram muitas lacunas em seu setlist, tocando aquelas tão amadas faixas que não podem faltar. Ficou óbvio que a conexão que o Helmet tem com o Brasil vai muito além de apenas as músicas, há um amor verdadeiro pelo país (leia aqui a interessante história do vocalista com caipirinhas). Agora, nós fãs só podemos esperar que voltem logo e que não demorem mais de uma década para isso, como ocorreu entre 2011 e 2022. Acho que ninguém reclamaria de uma passagem dos nova-iorquinos por aqui de três em três anos…
Treva – setlist:
Novo Amanhã
Onde Morre o Sol
Memórias e Reclusão
Por Chance, Por Sangue
Recomeço
Renasce em Dor
O Passado que se Tem
Debrix – setlist:
Stray
Push It!
Brisa de Espelho
Picture Pose
Thunderstorm
Turn the Page
Born Beast
Perigo!
Nada pra Falar
Bullseye
Helmet – setlist:
Betty
Wilma’s Rainbow
I Know
Biscuits for Smut
Milquetoast
Tic
Rollo
Street Crab
Clean
Vaccination
Beautiful Love
Speechless
The Silver Hawaiian
Overrated
Sam Hell
Parte 2
Swallowing Everything
Blacktop
Driving Nowhere
Bad Mood
Dislocated
Unsung
Turned Out
Bis
Give It
Ironhead
Just Another Victim
In the Meantime